Deus e Duendes

Um dia ouvi, por acaso, uma discussão, cujo fascinante tema era o adesivo ACREDITO EM DUENDES. A conversa em si era ridícula; aparentemente o encontro de duas mentes resultando de várias gerações de primos reproduzindo. Já o tema é mais saboroso que uma menina de 17 anos (pensei em subir para 18, para evitar parecer doente, mas na hora desisti. Pelo menos não falei 15, igual ao Nélson Rodrigues). Isso porque, para a maior parte da população, é muita petulância rir de um adesivo ACREDITO EM DUENDES. A maior parte da população acredita em Deus, que é quase a mesma coisa.

A vantagem que Deus tem sobre os Duendes é respaldo histórico. Ambos são figuras imaginárias, criadas por seres humanos perturbados, ou com um senso de humor por demasiado sutil para o consumo geral. Ambos possuem supostos poderes. Ambos são celebrados em adesivos de para-choques. A grande diferença é que ainda não presenciamos genocídios em nome de Duendes, nem inquisições, tortura e apedrejamentos. O máximo da fúria dos Duendes é uma experiência desagradável com ácido lisérgico. A real semelhança é quando alguém me fala que acredita em um dos dois, penso a mesma coisa: “Esse cara é um retardado.”

A grande pergunta é, se já temos Deus, por quê surgiram os Duendes? Por um motivo muito claro. Vivemos numa era de consumismo desenfreado e escolhas aparentemente infindáveis. Tudo existe em P, M e G, em verde relaxante, vermelho rubi ou azul celeste. Temos opções para tudo, do tamanho do refrigerante ao estofado do carro. O principal efeito disso, não contando esquizofrenia e incapacidade de tomar a mais simples das decisões, é o conceito de que tudo serve para algo, mas nada serve para tudo. Não precisamos nos contentar com pacotes fechados, podemos montar nosso próprio sanduíche.

Esse admirável mundo novo não se contenta com um Deus qualquer, um ser polivalente e único. Não acreditamos mais que um ser possa resolver tudo (ainda mais um ser que folga aos domingos). Estamos à beira de uma nova era de politeísmo; é o momento de escolher um deus para cada momento. Claro, não podemos apenas abraçar panteões do passado e esperar contentamento. A tecnologia já resolveu a maior parte dos problemas práticos; não precisamos de deuses para caça depois de supermercados e delicatessens, e qualquer navegação se beneficiaria mais com um GPS que um deus. A contemporaneidade pede deuses mais especializados, como Fuzilânio, deus das balas perdidas, e Rotatívio, o das vagas no centro.

Até os eternos, como Amor e Guerra, precisam de alguns tweaks para se adequarem aos dias de hoje. Divorcênia, a deusa do segundo casamento e Baladínio, o deus para conseguir rebocar alguma bêbada para casa de madrugada são os mais óbvios, assim como Iugoslávido, deus de pequenas guerras civis e Samfrônio, deus de invasões aleatórias dos EUA a países subdesenvolvidos. Podemos até colocar um duende no meio, só para agradar aos fritados de ácido ainda perambulando por aí. Duendes podem ser os deuses protetores das sandalinhas de couro, evitando que as tiras rasguem.

Uma reforma completa do antigo politeísmo cai bem; a única coisa que pode permanecer continuar intocada são os sacrifícios, a parte realmente divertida de ter uma cacetada de deuses egoístas e falhos, competindo pela nossa idolatria. Seja mil anos antes de cristo ou semana que vem, sacrificar virgens num altar é sempre válido. Sem contar que vai gerar um desespero tão enorme em garotas de 17 anos para perderem a virgindade que o mundo se tornará um lugar bem mais divertido.

No Milk Today

Peço perdão aos fiéis leitores, mas hoje não tem post. Motivo? Comecei a escrever um post sobre por que não acreditar em Deus e outros assuntos igualmente inúteis, e ainda não consegui terminar. Ao invés de colocar qualquer porcaria pela metade, como costumo fazer, decidi esperar.

Não se preocupem, terça-feira estamos de volta, com algo realmente especial.

Teoria Triplo D

A vida é difícil. Vamos lá, você sabe que é verdade. Precisamos nascer, viver, amar, trabalhar, pagar imposto de renda e fingir interesse na hérnia de disco do seu tio-avô. Não é fácil, sem contar que alguns ainda têm problemas de verdade, tipo subnutrição, esquizofrenia e tios molestadores.

Os outros seres vivos do planeta também sofrem, mas os humanos têm a desvantagem de serem conscientes e pensarem (alguns, pelo menos). A única coisa que isso gera é sofrimento e frustração. Não só vivemos numa sociedade em que fracasso e violência nos aguardam dobrando cada esquina, mas ainda por cima precisamo saber disso.

Por esses e outros motivos, os seres humanos precisam de algo para aparar as arestas da vida cotidiana. Tudo que faz isso encaixa em um dos três Ds (como escrevo essa porra? Três Dês? Três “D”s?). Os três letra “D” no plural são, respectivamente mas em nenhuma ordem específica, Deus, Droga e Dinheiro. Alguma coisa precisa amaciar a existência, e cada um escolhe o mais adequado para seu estilo de vida. Quem não tem um, usa um dos outros, ou até dois. Deve ser possível usar os três, mas puta merda, haja angústia existencial.

Não acredita? Mostre um servente de pedreiro que não seja crente ou bêbado ou ambos, um ateu que não seja rico ou drogado ou ambos. O D de cada um não é eterno; muitos trocam várias vezes durante a vida. É o caso de bêbados/drogados que encontram Jesus. Muitas vezes, um dos Ds é usado para eliminar outro, como no caso de afluentes que cheiram tanto que acabam precisando vender o rabo na rua para sustentar o vício, até encontrar Jesus (de novo, o filho da puta escondido por aí). Trocas involuntárias e inconscientes são trocas do mesmo jeito, e, infelizmente, muitas levam para o D mais nocivo de todos, Deus.

Dinheiro resolve os próprios problemas que cria; os riscos maiores são ficar rico a ponto de ser sequestrado ou ser morto pelos filhos gananciosos no caso de longevidade excessiva. O primeiro é resolvido pagando o resgate ou contratando um monte de seguranças, e o segundo é resolvido com uma vasectomia ou um aborto. No entanto, dinheiro é difícil de conseguir e nem sempre resolve sozinho, e muitas vezes os ricos precisam de drogas

Drogas são, de longe, o D mais eficiente. Não estamos falando de uma cervejinha no fim de semana, estamos falando de dois gramas de pó e oito doses de algo por noite. É difícil contemplar as sutilezas do existencialismo quando você está tão travado que nem lembra mais o próprio nome. Drogas, infelizmente, drenam o Dinheiro e acabam levando de volta ao temido Deus.

Deus é onipotente, onisciente e onipresente, mas mesmo assim precisou de 6 dias para fazer essa merda, e ainda precisou descansar depois. Além de ser tão inseguro sobre o próprio poder que precisa de um monte de pessoas vigiando as ovelhinhas; pastores berrando estupidezes sem sentido para massas ignorantes e arrancando um naco do parco salário daquele bando de analfabetos ou padres velhos e gordos bebendo vinho e estuprando meninos de oito anos de idade.

Mas Deus não é só roubo e pedofilia, existe um lado positivo, o de controle social. A passividade e resignação geradas por religião organizada e o sistema escolar risível do Brasil permitem que as coisas continuem fluindo do jeito que estão. Um povo analfabeto e religioso não questiona, não pensa, não critica e não entende. Mesmo as atrocidades governamentais tão absurdamente óbvias que acabam escorrendo até o consciente do povão são rotuladas de “o mundo é do jeito que é” e esquecidas. Os outros D também têm lados positivos. Drogas cuidam de controle populacional, e Dinheiro, bem, Dinheiro é Dinheiro.

Mesmo com um leque razoável de opções, todas deixam algo a desejar. Como alternativa, existe a quarta opção, o D para iniciados. D de Desprezo; é duradouro, gratificante e definitivo. Mas, apesar de quase perfeito, não é simples. É necessário um talento inato para, mesmo sem qualquer evidência, se achar tão melhor que o resto da humanidade. Afinal, a suposta superioridade precisa ser tão firme e enraizada que torne a existência suportável. Considerar-se superior e rir da estupidez colossal do resto do mundo mantém o motor humano bem lubrificado e rodando macio, sem engasgar.

Talvez algum a cruel realidade venha à tona e a casa de cartas caia, mas até hoje não tive problemas.

R$ 0,25

O fenômeno dos guarda-chuvas perdidos está mais que bem documentado (é uma conspiração enorme conectada à misteriosa multiplicação de clips de papel no fundo da gaveta), mas muito pouco tem sido dito sobre sapatos avulsos rolando pelo mundo.

Uma vez, há muito tempo, deixei cair uma moeda de 25 centavos no chão. Ao abaixar para recuperá-la, vi o pé esquerdo de um par de sapatos. Estava dentro de um canteiro quadrado que deveria conter apenas uma árvore, e não uma árvore e um pé esquerdo de um par de sapatos. Achei estranho, imaginei que o pé direito estivesse por perto. Procurei rapidamente nas redondezas, sem sucesso.

Desde esse dia (conhecido como O Dia Em Que Meus Olhos Foram Abertos) tenho visto um número assustador de sapatos avulsos. Um par de sapatos na rua é algo claro e óbvio, significa que estão de tal forma destruídos que nem um mendigo gostaria de tê-los. Um único pé gera perguntas.

Se for um sapato que literalmente desmanchou no pé do antigo proprietário, é compreensível. Às vezes, a pessoa não queira se dar ao trabalho de arrastar aquele pé esquerdo até em casa, preferindo deixá-lo por onde caiu do pé mesmo. Mas, quase sempre, são pés esquerdos (ou direitos) perfeitamente utilizáveis ainda, sem qualquer falha estrutural evidente.

Ando ficando bastante deprimido por causa dos sapatos na rua, porque a única explicação que consigo encontrar é que saiu do pé do indivíduo e por algum motivo foi deixado. Isto é, o cara não parou para recolocar o sapato. Sabe, quando você tá andando com sapatos um pouco grandes demais e eles começam a escorregar e você precisa parar e dar aquela empurradinha de calcanhar para entrar direito? Ou quando a parte de trás "pega" em algum objeto e você tem que parar e calçar o sapato de novo? É super normal, você pára e calça o sapato de novo. Se você estiver embalado a ponto de não conseguir parar, o sapato sai voando, você fica envergonhado mas volta, pega e calça, não? Ninguém continua correndo para pegar o ônibus e abandona um pé do par alí, no meio da rua, não é?

Aparentemente, existem muitas pessoas com vidas tão excitantes, divertidas, leves, alegres e emocionantes que sapatos não importam. Pessoas felizes, satisfeitas e tranqüilas a ponto de perder um sapato sem culpa. Apenas sorriem e continuam. Provavelmente existem milhares de coisas melhores a fazer que pegar o pé perdido do sapato! Com certeza não é sem um leve prazer arrogante que a pessoa deixa o pé esquerdo (ou direito) para trás. Como quem diz, pff, sapato? Que coisa mais mundana...

Existem pessoas tão elevadas e intrigantes andando por aí, agarrando o touro pelos chifres, flutuando no éter absortos em tecer sutis e elegantes filosofias existenciais, e nós aqui, abaixando para pegar moedinhas de 25 centavos.

Paul Rabbit

O texto de hoje deveria começar com um pedido de desculpas. Ao invés disso, vai começar com uma errata e um aviso, não nessa ordem. Vai terminar com um exercício prático. E vai ter um monte de palavras no meio.

Para evitar uma enxurrada de comentários de fãs de Paulo Coelho, o aviso. Se algum de vocês estiver lendo, pare. Sério, não é brincadeira. Pare agora. Feche a janelinha e não volte. Isso, ande com o mouse até o canto. Agora, clique.

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Aos que restam (e pensam, e têm um mínimo de bom senso, etc., etc., etc.), a errata e o exercício, além do monte de palavras no meio.

Na enquete do último post, onde lia-se "
decida o tema da próxima enquete", deveria constar "decida o tema do próximo texto". Erro que passou batido, e quase veio a calhar. Uma enquete sobre o Paulo Coelho (com assustadores 59% dos votos) poderia até ser engraçada e meio nonsense, mas e um texto inteiro?

O que existe para ser dito sobre Paulo Coelho em 500 palavras que já não foi dito? Todo mundo já sabe que os livros dele são lixo new age maquiado de subliteratura. Todo mundo já sabe que o sucesso internacional só comprova que o resto do mundo é povoado por gente tão idiota quanto o Brasil.

Mas, o que nem todo mundo sabe, é que ele não é picareta nem oportunista, ele é LOUCO. É um homem de 60 anos de idade correndo pelo mundo (e pelos corredores da Academia Brasileira de Letras) achando que é o Harry Potter. Pense nisso um pouco, antes de continuar.

Ele acha que conversa com anjos, e que é um Guerreiro da Luz, de acordo com seu site oficial. Um pouco assustador, mas suave. Doido manso. A verdadeira loucura vem à tona graças a Marilise, Lílian e Renata. A primeira Playboy que comprei foi em Outubro de 1992, com as trigêmeas na capa. Adivinhe quem foi o entrevistado? O Mágico de Oz em pessoa. Momentos impagáveis da entrevista:

PLAYBOY – O que você faz que uma pessoa normal não faz?
PAULO – Sei abrir buraco em nuvem, fazer chover [...] Sei também adivinhar pensamento, mas não é sempre. E também consigo não sair numa fotografia, mesmo que tenha sido clicado.

Gostou? Agora prepare-se, essa é boa. Tão boa que merece itálico e negrito.

PAULO – [...] Ah, eu também consigo ficar invisível, sem desaparecer. Ou seja, posso fazer com que as pessoas não me vejam, mesmo eu estando diante delas.

Ah, eu também quero ficar invisível sem desaparecer! Se ao menos ele explicasse como...

PLAYBOY – Como se faz isso?
PAULO – É fácil, basta contraír os dedos dos pés e, com as mãos, fazer uma espécie de sinal de positivo com o polegar lançado para a frente e depois sair andando. Ninguém vai te ver. Não sei a razão, mas ninguém te vê mesmo.

Bom, acho que depois de explicar, o mínimo seria uma demonstração, não?

PLAYBOY – Você poderia sumir agora?
PAULO – Sim, mas não faria isso porque seria exibicionismo.


Normalmente agora seria o momento de escrever mais alguns parágrafos criticando e ridicularizando o sujeito, mas nem tem graça. Nada pode superar a imagem de alguém, no meio de uma multidão, tentando andar com os dedos dos pés contraídos e o polegar em riste lançado para a frente. Se algo chega perto é imaginar as pessoas evitando olhar com medo de ser abordado pelo louco andando cambaleante fazendo "jóia" para todo mundo. Ou seja... ficou invisível, sem desaparecer!

Agora, a parte prática.
Mate e queime um pássaro branco hoje. De preferência, mais de um.

De acordo com o próprio mago, "
para começar um novo livro, estabeleci para mim mesmo um sinal - encontrar uma pena branca".